No ano em que eu me descobri a maior preguiçosa da face da Terra; no ano em que eu me peguei (novamente) pensando sobre o suicídio; no ano em que eu fiquei sem casa, sem espaço e totalmente vulnerável ao espaço dos meus pais; num ano em que eu segui me entupindo de drogas...
Eu consegui tirar algumas coisas de bom.
1) Eu venho diminuindo o Lexapro e até já ganhei alta da psiquiatra :) Parece que sim, a idade vem ajudando bastante nas minhas crises: quando você já sabe o que esperar, não se assusta tanto quanto nas primeiras ocorrências.
2) Eu continuei meu trabalho psicológico e tive vários e muitos insights positivos, que me fizeram encarar minha história de forma menos mentirosa e, até, enfrentar meus pais. Nasceu em mim a vontade de ser respeitada como adulta pela minha família e, por conta disso, tive vários debates internos e externos com eles.
3) Sobre a família, eu entendi finalmente que muitos problemas são deles e não meus. Que muita da minha ansiedade e insegurança vem da criação que eles me deram. Sinto raiva quando penso na minha história, em tudo que já senti e pensei até hoje, no quanto fui e sou infeliz por conta da minha criação. Hoje busco compreender como seguir em frente / amar pessoas as quais sinto que me abusaram e ainda abusam psicologicamente.
4) Curiosamente, eu voltei a me interessar e a escutar o Deus cristão. Depois de assistir a série Maria Magdalena e ser inundada com a postura de Jesus, eu me peguei repensando muitas coisas, inclusive a minha fé. Surgia uma nova faísca ali onde nada havia há mais ou menos 10 anos. Eu entendi, eu senti a palavra de Deus. Eu entendi a mensagem de compaixão e amor ao próximo. E eu entendi que muitas religiões dizem de fato a mesma coisa: escuta a voz do teu coração, é no silêncio do teu peito que mora Deus. E eu sempre soube disso, eu sempre senti o amor e a compaixão me preencher durante a meditação. Mas eu nunca tinha associado essa prática à oração. Eu não tinha ainda entendido que o Deus cristão, o Deus espírita e o Deus hindu, todos eles, buscam a mesma coisa: a diminuição das injustiças no mundo terreno por meio da compaixão e amor ao próximo. Eu entendi que Deus é sinônimo de amor. Aquele amor transcendental que eu sentia por mim e pelos outros enquanto meditava. Eu ainda não conclui essa minha fé repentina, não sei se fica ou se vai embora logo menos. Mas eu sei que, eu sinto que, o único lugar onde estive em paz na minha vida inteira foi em meditação. Foi ao sentir o amor do mundo inteiro me abraçando, foi ao silenciar e escutar a voz de Deus. E eu acredito que é desta paz que a espiritualidade fala: a paz no coração. Esse é o paraíso. Aqui, estamos presos e constantes no inferno, na roda incessante dos prazeres e necessidades materiais. Eu compreendi também que não podemos culpar Deus pela ação dos homens. Fomos jogados nessa terra como evoluções de primatas e, desde então, toda e qualquer consequência, toda injustiça histórica e desigualdade existente, é fruto da ação do homem. Ao longo da história, poucos viveram em comunhão com Deus, a fonte de toda fraternidade e amor. E por essa razão, estamos cada vez mais enlamados na merda mundana. Agimos, criamos o caos, e culpamos a Deus. Eu compreendi.
5) Passei a perceber como de fato nunca vivi uma vida minha e autêntica. Me pego duvidando se minha fonte de infelicidade é justamente o meu dharma: toda minha vida me senti injustiçada, não ouvida, incompreendida. Tolhada, sufocada. Talvez esse seja, enfim, minha meta espiritual nessa vida, aquela que vem gritando no meu peito há anos e que eu, tão amedrontada, fujo para não ter que escutá-la. Seria, enfim, meu dharma escutar? Será que Deus me fez assim, bloqueada para me expressar na fala, justamente para que eu deixasse de lutar contra e passasse a fluir com minhas aptidões? Ao não conseguir falar, será que assim eu não conseguiria escutar melhor? Demonstrar carinho e empatia por outras formas?
Eu me sinto dia e noite a pessoa mais inútil do mundo. Eu repito todos os dias para mim mesma que eu devo agradecer pois nasci perfeita biologicamente e materialmente me foram dados muitos talentos. Hoje, eu sinto vontade de retribuir a Deus, ao amor, ao mundo, aquilo que me capacita estar disponível aos outros.
Minha preguiça tem diversas raízes: a enterrada anorexia e aquela dilacerante vontade de desaparecer; a fala travada que me impede de descansar a noite e respirar de dia; a ideia de que nada do que eu faça nunca valerá a pena, sempre estarei em débito. Eu sei que eu sou uma fracassada, mas eu espero do fundo do meu coração não seguir assim. Espero acordar pra vida, porque no momento me sinto apenas sonambulando. Eu girei em looping até aqui, eu fui e voltei nas mesmas inúteis ideias, mas tudo bem. Eu tenho fé que esse ciclo vai deixar de existir quando eu estiver pronta para sair dele e viver minha autenticidade. E qual seria ela?
Essa resposta ainda está por vir...
/edit
6) E como eu poderia esquecer do meu relacionamento? Eu acho que sou o tipo de pessoa que, quando as coisas estão indo bem, eu não enxergo, e quando estão mal, eu enxergo 1000x ampliado. No ano de 2020, meu relacionamento seguiu se fortalecendo. Ele veio morar no Brasil, arrumou de fato um emprego, segurou a barra de morar com a minha mãe e de passar uns bons dias brigados pela treta da ex. Esteve do meu lado o ano todo, me fortaleceu nos momentos de crise, me escutou chorar por horas e compreendeu minhas angústias. Sinceramente, eu só tenho a agradecer por este relacionamento ser como é. Me sinto compreendida, apoiada e construindo algo sem máscaras. Me sinto agradecida.
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