Me da uma calma saber que vai ter o beck ali do lado.
Dois mundos - nada relaxante. Preciso cessar algo.
Dois mundos. Separados.
Algo mora dentro de mim. Ele começa se enroscando entre meus dentes molares (os quais reagem com bastante força tentando mordê-lo), desce pelo esôfago, entope o começo da garganta e pesa sob a base da língua. Como lodo pesado, vai escorrendo por meu tubo interior até chegar à boca do estômago. E lá fica.
Não causa desconforto, não causa gastrite, não pesa - nos momentos de stress, ele apenas suga meu ar, suga minha voz e me deixa incomunicável. É curioso como essa bola de ser esvazia o meu corpo. Um vazio bastante pesado. Parece que engoli um fantasma e ele vai pouco a pouco obtendo seu espaço para logo se instalar ali, na boca do estômago, como um pesado e incômodo vazio.
Esse ser que mora dentro de mim me obriga a fazer diversas coisas.
Numa sala fechada, como uma sala de aula ou um consultório médico, esse ser me obriga a me mexer, me cutucando com estalos quase incontroláveis. Pega algo, fala disso, olha pra fora, rói as unhas, balança o pé, se aperta um pouquinho pra ter certeza que continua ali (viva) (e magra), aperta os dentes para mastigar o que quer que seja que está ali no meio, escreve qualquer coisa, desenha qualquer coisa, risca qualquer coisa, fura o papel de tanta força de vontade de simplesmente estar liberando essa energia, essa coisa, esse ser que habita dentro de mim.
Eu tomei um remédio um período pra calar esse ser.
Esse remédio se chamava Lamitor e ele me fazia babar sem vontade de viver no sofá.
Eu senti falta do nó na garganta. Senti falta das loucuras que ele me fazia fazer, como por exemplo, sair do sofá para viver uma rotina que não me interessa - mas eu amo, que não vai durar - mas é tudo que há, que só faz sofrer - mas às vezes não e que não é nem um pouco real - ... (não tenho ressalvas positivas. É real: nada é real. Somos pó em forma de moléculas existentes num curto período de tempo. Como algo no nosso mundo pode ser real?).
Hoje me parece que eu ainda não sei ficar confortável sozinha com esse ser.
Não sei se fumo maconha para calar ou o ouvir.
Acho que fumo só pra me lembrar de que ele está ali.
Já no primeiro trago, o peito sobe, a cabeça desce, a garganta fecha, os músculos reagem.
Ele está ali.
No final do cigarro, o vazio do ser já pode ser sentido em todo meu espaço. O vazio ocupa minha cabeça, meu peito, meu estômago, meus intestinos, e minha única vontade é preencher. O ser bate forte com seu vazio e eu me torno ele mesmo: o nada. A necessidade de preencher. O DESESPERO por preencher.
Me preenche de chocolate, de comida de porra, de beijo, de mais um cigarro, de massagem, de palavras. Me preenche, pelo amor de Deus. Me preenche.
Eu sei que eu não vou me preencher com nada , mas é tão engraçadinha essa corrida humana em busca dele mesmo. O baseado como o piadista, um show de stand-up da minha própria existência: ele vem, ele bate, cutuca seu vazio, faz ele se expandir e depois te deixa lidar.
Você vai encher o rabo de chocolate e não vai sentir o fundo. Você vai encher os pulmões de cigarro, e não vai sentir o fundo. Você vai se machucar de tanto transar, e não vai se sentir preenchida.
Você acordou o vazio.
Você mexeu com ele,
e agora você é ele.
Lide com isso.
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| Meu "sem face" pessoal aguardando ansiosamente para ganhar bastante espaço e notoriedade dentro de mim. Artista: Theresia Tarisa. |
Dar um pouquinho de espaço para ser outras coisas também.
Além do vazio pesado, ser o vazio espaçoso.
Presente.
Abraçar esse vazio de outras formas além de peso.
Flutuar nele.
Liberar-se.
Sendo.
Dia após dia.

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