Se eu sempre fui obcecada com aceitação?

 Ou melhor dizendo: acolhimento. 

Sempre?


A escola já set the tone bem maneiramente. Nunca, durante toda minha infância, eu tive uma amiga. Claramente, eu era completamente obcecada pela ideia de ter qualquer amizade - eu nunca conseguia dormir antes do primeiro dia de aula, passava a noite imaginando se teriam novas garotas na sala de aulas que pudessem ser, finalmente, minhas amigas.

Na sexta série, dos 11 para os 12 anos, isso finalmente aconteceu :) a menina nova da sala mordeu minha isca da carência e ficamos bem amigas. Melhores amigas até! Era a primeira vez que eu tinha uma amizade, eu estava em êxtase. Ela falava de coisas como piercings, rock n' roll e all stars. Eu senti que era ali que vivia a personalidade então.

Bom. Com a primeira amizade, a primeira grande rasteira: deixamos de ser amigas por um motivo de crianças (eu escrevi no meu diário que estava com ciúmes dela com outras amigas. Ela leu e me expôs). A sala inteirinha ficou contra mim, todos os amigos que eu, enfim, estava fazendo, toda sala de aula com as pessoas que eu caminhava desde o jardim de infância, meu primeiro crush da 1a série, todos, absolutamente todos deixaram de falar comigo. Acredito que essa tenha sido a primeira grande afirmação de como, sim, eu era um pedação de bosta e como eu nunca conseguiria ser aceita. Eu cresci na porra daquela escola e, em menos de 01 ano, qualquer outra pessoa nova era melhor do que eu.

Em casa, o babado era bem parecido. Completamente perdida no que eu deveria ser: aparentemente o meu melhor não era satisfatório. Eu era uma ÓTIMA aluna, eu fazia absolutamente tudo que me mandavam e mesmo assim eu era silenciada e humilhada. Humilhada, sim. Porque cada vez que eu abria a boca vinha um comentário de decepção, um suspiro de "onde eu errei..." apenas por eu estar existindo. Mais uma resposta: se eu fosse eu mesma, eu nunca seria aceita, eu era um pedaço de bosta pesado que MERECE toda falta de acolhimento que recebe. Era e sempre foi minha culpa. Recado entendido.

Com 13 anos, eu descobri que eu poderia sim ser bonita, popular, amada e querida: era só ser magra! :) Finalmente uma resposta. E eu fui muito, mas MUITO boa em ser magra. Eu sempre fui muito determinada (obcecada?) naquilo que eu me comprometia e a magreza era um objetivo. Era a única forma de ser vista, ouvida e respeitada. Seja para o bem, ou para o mal: eu era bonita então eu podia ter amigos. Eu controlava minha comida, eu mandava no meu corpo (pelo menos isso). EU fiz meu pai chorar (esse dia foi incrível, não vou mentir). Eu tinha um demônio dentro da minha cabeça, que me consumia a mim e as minhas primas literalmente, eu rezava tanto para ser liberta daquilo. Da única coisa que eu encontrei realmente minha: aquilo estava acabando comigo. A única coisa da minha vida que eu tinha conseguido concluir por conta própria estava me matando. Eu escrevia tanto, mas tanto, pedindo ajuda. Com tanta raiva. A única coisa onde eu podia me expressar era escrevendo (eu tinha aprendido muito bem a falar sozinha nos tantos recreios que eu tive que passar driblando a solidão na escola). Só o papel estava ali pra mim, eu já tinha me aberto principalmente para a minha mãe, e a única coisa que eu recebi em troca era cobrança (eu pedia desculpa pra ela a cada kg que eu perdia). Toda semana eu era humilhada na nutricionista. Humilhada na academia (você sabe quanto eu peso? Você me acha gorda? Achamos que você é muito magra pra continuar vindo aqui). Humilhada na escola, mas as vezes exaltada também ;) nossa, queria conseguir ser magra assim. Você é o sonho de magreza de toda mulher. Sim, eu conseguia ser algo que todo mundo queria ser. Finalmente.

O palco estava armado. Ser eu me fazia ser excluída, humilhada, rechaçada. Eu nunca seria (/fui) acolhida sendo eu mesma, tanto na escola quanto na minha família. Entendido. Mas, com a anorexia, eu entendi que, além de tudo, eu tinha que ter vergonha e me sentir culpada pelas minhas escolhas, por aquilo que eu consigo resolver sozinha. Era minha culpa que meus pais estavam sofrendo. Até minha psicóloga da época me disse que se eu quisesse ir embora, outra pessoa entraria no meu lugar, que ela não precisava de mim, mas sim eu dela :) (quem vendeu esse diploma pra ela?). Foi a 1ª vez que eu me impus em casa: eu não volto mais na psicóloga. A primeira vez que eu consegui impor algo que eu queria foi aos 13 anos. 13 anos de silenciamento que, curiosamente, todos diriam que eu mandava, e muito. Essa parte ainda é muito interessante para mim: como eu posso me sentir tão oprimida sendo que na realidade o mundo sempre me dizia que a mandona e opressora era eu?

Eu voltei a comer quando fiquei muito triste (rechaçada pelo primeiro crushinho) e não fiquei feia. Fiquei saudável, bonita, interessante. Eu acreditei mesmo que eu poderia ser normal. Eu namorei, eu frequentava a igreja, eu até fiz um intercâmbio! E aí minha cabeça entrou em bug novamente.

De 2009 a ..... (long pause) 2017? Em 2007 eu fui doente, em 2008 eu fui normal (muitos amigos, muitos namoradinhos, bem amadinha). Em 2009 eu surtei fora do meu ninho (eu morava nos Estados Unidos, tinha muitos conflitos dentro de mim de como eu deveria ser e pouquíssima base para me espelhar. Eu DEFINITIVAMENTE não queria ser da forma que eu via em casa).

Em 2010 eu tive o melhor ano da minha vida inteirinha. Eu tinha muitos amigos, eu era aceita, eu era considerada bonita, engraçada. Eu me sentia acolhida. Eu me sentia pertencente. Foi o melhor ano da minha história.

Em 2011 em cai numa depressão fudida - eu não conseguia me relacionar com absolutamente ninguém da minha faculdade. Eu não queria. Eu estava sempre - sempre sempre sempre sempre sempre sempre - pensando, prevendo, encucando com absolutamente tudo que saia da minha boca. Tudo eu revisava para ter certeza de como eu me mostrava no mundo. Eu tinha uns amiguinhos populares na faculdade e era muita resposabilidade ser alguém - pra facul e pra eles. Eu só queria sumir. Eu queria que as pessoas percebessem o quão quebrada eu estava e me mostrassem empatia. Eu esperava isso do fundo do meu coraçãozinho kkkkkkkk mas eu só recebi (obviamente, pois foi merecido) nariz torto.

2012 foi ok com desilusões de amizades, 2013 foi maneiro na Espanha com muita angústia, 2014 foi péssimo eu finalmente percebi que talvez precisasse de remédios para viver dentro de mim.

2015 eu me cuidei e apenas existi. Eu tomava 02 remédios e fiquei suspensa no ar o ano inteiro, eu não me lembro de nada. 2016 foi um baque, eu não diria que foi horrível, na realidade eu me senti bem o ano inteiro, apenas jogando para 2017 todas as questões que eu teria que encarar ;) e eu tive que encarar pesadão. 2017 foi o pior ano da minha vida até agora.

Mas a ideia não é repassar todos meus anos, mas sim relembrar como eu sempre estive em ups and downs na minha ideia do que é ser humano, do que é existir, do que é performar essa vida, do que é fazer decisões, do que é ser eu.

Os momentos que eu me lembro que fui acolhida, foram os melhores momentos da minha vida. Os momentos que lembro de me sentir pertencente. Não estranhamente quando me formei e me senti "livre" da obrigação dos estudos, a primeira coisa que eu fiz foi arrumar um emprego voluntário (para fazer parte de algo) e me mudar para casa de desconhecidos (dentro da casa deles, eles teriam que ser meus amigos :D genial né?). 

Tudo que eu sempre busquei foi pertencimento e acolhimento. Sempre que eu senti que a vida merecia ser vivida eram momentos em que eu pertencia a algo. Os momentos mais desesperadores da minha história foram quando eu me encontrava nadando em mentiras para que as pessoas gostassem de mim. Quando eu percebi que nenhuma decisão minha era boa o suficiente, sempre pisando em ovos, com medo de expor o que eu penso e quem eu sou. Eu só queria um abraço.


Ontem, aos meus -quase- 28 anos, eu percebi como todos os dias, eu só quero um abraço. Eu só quero me sentir próxima de alguém, acolhida e entendida por alguém. Caralho, será que meu desmame foi tão forçado assim? Será que a rejeição entrou em mim pela placenta pra nunca mais me abandonar? Será que minha mãe realmente nunca me ouviu? Será que meu pai realmente me humilhava, me agredia tanto? Será que alguém me violou alguma vez? 


Será que tudo isso realmente existiu ou é apenas como eu me sinto?


(e hoje eu não me sinto nem acolhida nem pertencente em nada e por isso talvez a vida me pareça tão difícil e absurda. Talvez).

Nenhum comentário