Um sonho?

Hoje eu sonhei com o limbo.

Tenho quase certeza que era isso. Aquele espaço que vamos quando morremos, onde ainda não percebemos que estamos mortos e tampouco é o céu nem o inferno? Onde temos que nos purificar, enfrentar nossos pecados e aprender a sermos boas conosco e com os outros? Eu passei minha noite inteira por lá.

No começo, o limbo (ou purgatório, como preferirem) parecia uma espécie de hostel. Eu não notei nada de estranho; no começo do sonho eu estava simplesmente de volta a minha antiga maneira de viver: estava sentando na mesa com desconhecidos, que estavam morando temporariamente no mesmo lugar que eu, uma espécie de hostel/albergue e, tudo naquela "cidade" me parecia novo e interessante. Eu só queria me comunicar, explorar, ver tudo que havia de novo.

Me lembro de gastar algum "dinheiro" (até agora não entendi o que era aquilo) em um casaco rosa bebê com pelúcia de uma loja que parecia gringa. Meus olhos brilharam quando vi uma loja desconhecida. Eu só queria gastar "um dinheirinho, nada demais". Eu tinha 40 mil "dinheiros" para serem gastos. Me parecia um grande número.

Do lado de fora da loja, pude observar que essa cidade se tratava de uma cidade praiana. O mar, porém, era escuro e bravo, nem um pouco convidativo a um mergulho. A areia, escura, molhada e se assemelhava a lama.

Passado o dia comendo bobagens, explorando lojas e conhecendo novatos que, assim como eu, estavam achando toda aquela "viagem" emocionante, a noite chegou e, com ela, todos os seus pecados. Lembro-me de estar entrando num bar, como que pegando uma comanda - sentindo-me bonita, arrumada, de batom passado e bijuterias brilhando. Meus novos amigos estavam comigo. Iríamos nos divertir aquela noite, como todas as outras, e voltar exaustos para casa.

Dentro deste local, num salão amplo de pedra, um dos meninos percebeu que ali havia drogas disponíveia para qualquer um que as quisesse provar. Em seus olhos, notava-se o quão sedento estava por algumas daquelas pílulas coloridas, "apenas algumas" ele dizia, como se aquilo fizesse mal à nós, e não a ele mesmo. Em um momento, ele estava se empanturrando de drogas, no outro, saíra voando pela sala de pedra, como um balão cheio de ar, perdendo o ar, perdendo a vida. Foi o primeiro a falecer.

Sentimo-nos completamente desesperados; queríamos ir embora e simplesmente esquecer tudo aquilo. O local estava fechado. Não havia saída. Não havia escapatória. Cada um teria que lidar com seus demônios. Eu não havia percebido nada disso antes.

Chorando, encostados na parede fria, enquanto a chuva nos escorria na face, nos vimos a frente do corpo sem vida de nosso amigo, donde agora saíam fantasmas - personalizados, coloridos e transparentes. Curiosamente, não senti medo. Entendi que aqueles eram os seus fantasmas interiores, seguindo seu próprio rumo. Onde é que eu estava e o que estava fazendo ali?

Eu só queria me proteger da chuva. Um carro branco chegou, parou, e nos ofereceu uma carona. Éramos basicamente todos jovens, bonitos, arrumados e com dinheiro, numa noitada que havia dado errado. Aquela carona me cheirava a emboscada, porém não via outra opção. Um dos meninos (que me lembra muito um menino que conheci em meu intercâmbio), percebendo a armadilha, desesperou-se, sacou uma arma do bolso de trás da calça de um dos homens que estava oferecendo a carona, atirou duas vezes mirando suas cabeças e - desafortunadamente - errou.

Deixou cair a arma e saiu em disparada, correndo mais que suas pernas aguentavam - eu percebi que ele não era um corredor. Os homens da carona, porém, eram grandes e fortes, corriam muito mais rápido que o menino e, diante dessa situação, eu pensei "eu, em seu lugar,  me jogaria ao mar. Mesmo não tendo coragem de me matar, morrer a socos e pontapés me parece uma morte muito desesperadora para se enfrentar". Pegaram o menino pela gola da camiseta e, surpreendendo a todos, trouxeram-no de volta ao carro. Ele chorava e tremia.

Nesse ponto, eu já havia percebido que aquilo não era real. Teria eu morrido? Uma menina de traços japoneses foi "anunciada" - a vimos como numa gaiola gigante, sendo exposta, onde o anúncio dizia: ELA TEM UMA SEGUNDA CHANCE! Enquanto a cortina era fechada, a víamos fazendo uma pose sensual. Eu não entendia a lógica. Durante seu julgamento, ficamos sabendo que essa menina tivera relações sexuais com a mulher com quem deveria explicar os motivos pelos quais merecia uma segunda chance. Vimos tudo em nossa cabeça. Era claro que sua segunda chance estava longe de ser alcançada.

Acordei no outro dia, ainda neste espaço de nome indefinido, já sabendo que havia morrido e o que tinha que fazer. Enquanto rejeito as batatinhas fritas de almoço e escolho uma maçã, percebo que perco 04 "dinheiros". Era isso: eu tinha que gastar todo esse dinheiro (ou seria tempo?) para poder ir para o céu, voltar para terra, falar com alguém, o que quer que fosse. Olho para frente e me deparo com minha mãe e meu irmão, escolhendo um lugar para sentar-se. Saio em disparada, correndo mais rápido que minhas pernas, a fim de evitar que meu irmão coma sua batata frita. "Não posso contar-lhes que estão mortos", pensei comigo mesma. E eu percebi: eles ainda não sabiam. Me perguntaram o motivo de não poderem comer aquilo e eu simplesmente respondi, como uma súplica, se minha mãe me ensinaria a rezar. Se me contaria mais sobre Deus, que me contasse tudo que sabia, eu queria ouvir. Eu queria aprender, eu queria estar mais próxima.

Acordei.

Rolei de um lado ao outro, vi as horas: três horas da tarde. Levantei, prendi meu cabelo, tomei café e fui me espreguiçar. "Que sonho doido".

Obs: até onde eu sei, eu sou ateia. Da última vez que tentei ser mais próxima a Deus, cheguei a conclusão que nada disso existia. Há um tempo venho querendo reciclar minhas crenças e, talvez, essa seja uma boa hora para fazê-la.